No segundo capítulo da história vamos contar sobre a falência da editora Eclipse Comics e sua compra por Todd McFarlane, que futuramente iria lhe trazer muitos problemas

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A Falência e Leilão da Eclipse Comics

Conforme vimos anteriormente, a Eclipse estava passando por vários problemas: ações judiciais estavam sendo executadas, o pagamento de royalties estava sendo cobrado, grande parte do acervo da editora tinha sido perdido em uma inundação e várias outras questões financeiras afetavam sua estrutura. Em conjunto com o divórcio entre Dean Mullaney e Cat Yronwode, a editora entrou em falência em 1995 através do Capítulo 7 do Código de Falências/Bacarrotas dos Estados Unidos. Chamado também de Liquidação, o Capítulo 7 é um pedido de falência concedido que liquida (limpa) a maioria dos débitos abertos. Nesta situação um administrador é nomeado pelo tribunal, que vende todos os ativos não protegidos e distribui a renda entre os credores.

Desta forma, o anúncio do leilão foi feito e enviado para todos que tinham trabalhado ou tinham negócios com a Eclipse, o que pegou de surpresa Neil Gaiman, Alan Moore, Garry Leach e todos os outros. O leilão aconteceu no dia 29 de fevereiro de 1996. Dentre todos os títulos, um deles seria o mais disputado: os direitos de Miracleman que incluiria não só o copyright sobre o personagem como também reimpressões de materiais antigos, e isto incluía os trabalhos de Gaiman, Moore e os demais artistas envolvidos no título. Entre as pessoas interessadas a participar do leilão estava Todd McFarlane. O anúncio do leilão incluía a seguinte descrição:

Copyrights, marcas registradas, personagens e outras propriedades intelectuais, filmes negativos e separações de cores diversas, acordos de publicação com qualquer autor, ilustrador e outros envolvidos, que tenham ligação com várias séries em quadrinhos, quadrinhos diversos e cards.

Com a intenção de aumentar o seu catálogo de personagens, McFarlane pediu a Terry Fitzgerald, que era presidente de entretenimento da TMP na época, que participasse do leilão por telefone e assim adquirir os direitos autorais e marcas registradas do que fosse interessante, porém o objetivo principal era conseguir os direitos sobre Miracleman.

Beau Smith, artista da Eclipse Comics que foi contratado para desenhar as HQs que vinham de brinde com as actions figures do Spawn, Todd McFarlane e Terry Fitzgerald, ex-presidente de entretenimento da TMP

Algum tempo antes do leilão acontecer, os direitos sobre Miracleman já tinham sido oferecidos a Toren Smith para saldar a dívida que a editora tinha com ele, o qual recusou a oferta por saber que estes direitos estavam sendo disputados entre várias pessoas e isto poderia lhe trazer problemas futuros. Foi então que, em outubro de 1995, uma empresa chamada Marlow & Company ofereceu a Dean Mullaney U$ 2.380,00 sobre todos os direitos relacionados a Miracleman. O administrador da falência rejeitou a oferta pois sabia que poderia conseguir muito mais em um leilão (algo em torno de U$ 80.000,00).

Às 11:00h da manhã do dia informado o leilão foi aberto porém rapidamente havia acabado pois uma das partes interessadas havia oferecido U$ 25.000,00 em dinheiro sobre todos os ativos da Eclipse, que incluía direitos autorais e marcas registradas. O comprador? Todd McFarlane por intermédio do seu amigo Terry Fitzgerald. Assim, tudo que era da Eclipse passou para a TMP.

Embora tenha comprado todo o inventário, seu objetivo principal tinha sido alcançado que eram os direitos sobre Miracleman. Além disso, a compra da Eclipse permitiu que McFarlane recuperasse os direitos de um produto do Spawn que tinha sido comercializado em conjunto com a editora. Este produto era o Spawn Spogz.

Pogs eram pequenas fichas plásticas que no Brasil receberam o nome de Tazos quando foram lançados pela Elma Chips na década de 1990, porém os Spawn Spogz traziam imagens relacionadas os personagens criados por McFarlane. Este era o único produto não comercializado pela TMP e que, com a compra da Eclipse, agora possuía 100% dos produtos relacionados ao Spawn

Spawn Spogz. A coleção completa continha 54 pogs além de alguns especiais

Os Spawn Spogz foram licenciados pela TMP e comercializados pela Eclipse Comics. Cada pacote continha 12 pogs.

Após vencer o leilão, McFarlane mostrou-se animado em poder começar a trabalhar com Miracleman e oferecê-lo a Mark Buckingham e Neil Gaiman, que foram os últimos a trabalhar na série. Na época McFarlane disse:

Conversamos semi-regularmente e tenho certeza de que, quando desafogarmos de nossas cargas de trabalho, descobriremos o que fazer com ele. Pode ser uma batata quente. Se eles (Gaiman e Buckingham) não quiserem, é uma batata fria. Porém, se eles quiserem, é um batata quente.”

Um dos itens que mais interessava McFarlane era o título inédito Miracleman: Triumphant, que era um spin-off da série original escrita por Fred Burke e ilustrada por Mike Deodato Jr. e Jason Temujin Minor. Este título já tinha a primeira edição concluída, mas nunca publicada, e o segundo volume estava em andamento quando a Eclipse entrou em colapso. No final das contas ele não havia adquirido os filmes originais, e o paradeiro da arte do segundo volume permanece um mistério até hoje.

Anúncio da nova série Miracleman: Triunphant

Porém, havia a suspeita de que de McFarlane não tinha comprado efetivamente Miracleman. Ele foi informado de que era obrigado a verificar o status de propriedade dos personagens que havia comprado pois as marcas comerciais podiam não ser livres, e esta propriedade tinha sido discutida na época com Fitzgerald e também com McFarlane. Nos documentos haviam menções a títulos como New Wave e Airboy, mas em nenhum lugar mencionava Miracleman.

Ignorar este aviso foi um dos maiores erros de Todd McFarlane. Segundo foi apurado, ao comprar a Eclipse, seu interesse maior era adquirir as marcas registradas e direitos autorais, não o estoque físico da editora. Seis anos após a compra Todd ainda acreditava que possuía os direitos autorais sobre Miracleman só pelo fato de ter caixas de revistas do personagem. E para a surpresa de McFarlane na época, ao chegar ao galpão da Eclipse, grande parte do material havia sumido, deixando apenas alguns itens aleatórios!

O que aconteceu foi o seguinte: algum tempo antes da realização do leilão e durante o processo de falência, em uma tentativa de saldar as dívidas com os credores, o armazém havia sido esvaziado por Cat Yronwode e Dean Mullaney que estavam vendendo o máximo de ativos que podiam para quem pudesse pagar. Um desses compradores chamava-se Bud Plant que tinha apenas uma regra para comprar o estoque: adquirir apenas a caixas lacradas de títulos. Com isto, o que restou no galpão eram apenas caixas abertas de alguns títulos aleatórios. O que foi declarado ao curador da falência foi justamente este resto, sendo que o correto seria declarar TODO os bens que haviam quando foi decretada a falência.

Outra fraude que foi descoberta depois é que muitos títulos que estavam no galpão já tinha sido pagos por outros clientes, como comic shops e outros locais de revenda, porém não haviam sido enviados. Mesmo assim Yronwode “revendeu” estes títulos, conseguindo assim ganhar duas vezes sobre cada HQ. Desta forma houve perjúrio quando foi feita a declaração de bens da Eclipse que foi posta em leilão pois Dean Mullaney e Cat Yronwode vendiam o que podiam “por baixo dos panos”.

O que então, exatamente, Todd McFarlane conseguiu comprar por U$ 25.000,00 no leilão da Eclipse? Nada mais que caixas de quadrinhos, livros (entre eles 13 cópias da autobiografia de Bob Kane, Batman and me) e cards, além de filmes de edições aleatórias! Quanto a Miracleman haviam os seguintes materiais:

  • Capas e filmes das edições 6, 7, 8, 15, 21 e 23
  • Um filme parcial e danificado de Miracleman 3D
  • Capa das edições 1, 2, 4, 13, 17, 18, 19 e 20
  • Separação de cores para a edição 21
  • Filmes de Miracleman: Man of Dreams, Exiled Gods e Miracleman Family

Conforme citado anteriormente, a quantidade apresentada no leilão foi muito abaixo de todo o material que a Eclipse publicou antes de 1985 (estimado em 269 títulos diferentes). Mesmo com a inundação em Guerneville em 1986 deveria haver muito mais a ser apresentado no leilão. Materiais originais de Steve Gerber, Clive Barker, Kurt Busiek e Chuck Dixon estavam perdidos assim como a grande maioria dos direitos autorais.

Destroyer Duck, de Jack Kirby e Steve Gerber, foi um dos maiores títulos da Eclipse que McFarlane não conseguiu adquirir os direitos autoriais no leilão

Embora os títulos tenham sido publicados pela Eclipse Comics, muito pouco era de propriedade da editora, preservando assim os direitos do autor. Isto significa que comprar a Eclipse Comics não era a mesma coisa que comprar os direitos autorais dos títulos que ela publicava. Esta autorização só poderia ser feita por parte dos autores, geralmente por carta escrita. Já sobre marcas comerciais, as únicas que McFarlane realmente comprou foram os nomes “Eclipse Comics” e “Airboy”. Em nenhum momento foi citada a marca “Miracleman”, que ainda pertencia a Neil Gaiman e Mark Buckingham. Além disso, quando houve o acordo de publicação de Marvelman como Miracleman nos Estados Unidos, não poderia haver a transferência de titularidade para terceiros, a não ser para os detentores originais da Warrior, Gerry Leach e Dez Skinn. Quando as novas aventuras de Miracleman foram publicadas pela Eclipse com roteiro de Alan Moore, este dividiu os direitos com Neil Gaiman e Mark Buckingham, sendo que Gaiman assinou um contrato de exclusividade do roteiro e da arte de todas as histórias.

Resumindo, mesmo no caso de falência da Eclipse, os direitos sobre Miracleman não poderiam ser vendidos, e sim voltados para os proprietários originais do personagem que são Dez Skinn, Garry Leach, Alan Davis, Alan Moore e Mick Anglo.

Porém, o que foi comprovado através de documentos, é que a Eclipse detinha os direitos sobre o logotipo de Miracleman! Este foi registrado pela editora em 14 de julho de 1987, o que não significava a mesma coisa de ter o registro do nome do personagem nem sua descrição física. É o mesmo caso dos símbolos do Batman e Superman: comprar seus símbolos não significa comprar os personagens pois ambos podem ser reformulados com logotipos diferentes como já aconteceu várias vezes. Da mesma forma Miracleman poderia continuar a ser publicado com um símbolo diferente.

O logotipo modernizado de Miracleman era de propriedade da Eclipse Comics e fazia parte da compra de McFarlane. Nos documentos de patentes do símbolo não constavam os nomes Miracleman ou Marvelman

Ou seja, McFarlane era dono apenas de 3 marcas registradas: Eclipse Comics, Airboy e MM (sem menção a nenhum personagem), e foi este equívoco que o levou a acreditar que tinha comprado Miracleman! Embora o escritório que cuidava da falência da Eclipse tivesse advertido Fitzgerald e McFarlane a realizarem uma pesquisa sobre as marcas registradas que estavam com a editora, ele não a fez e isto lhe causou bastante estrago. Caso a Eclipse tivesse aceitado a oferta inicial da Marlow & Company de U$ 2.380,00 sobre os “direitos autorais, marcas registradas, personagens e outras propriedades intelectuais, negativos de filmes e separações de cores, relacionados e compreendendo a série de quadrinhos Miracleman e contratos de publicação com autores, ilustradores e outros detentores de direitos relacionados à série de quadrinhos Miracleman” também não daria em nada pois o único contrato que veio à luz foi com Gaiman para a publicação das novas aventuras do personagem e o registro do logotipo.

E no meio desta confusão sobre direitos autorais ainda viria um anjo para dar mais dor de cabeça!

A seguir: Surge Ângela!

Matéria publicada originalmente no blog 20th Century Danny Boy e depois republicada no livro “The World Vs Todd McFarlane” de Daniel Best, que pode ser adquirido no site da Amazon Brasil.


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