Tivemos a honra de entrevistar a Dra. Cristina Levine Martins Xavier, autora do primeiro (e talvez único) livro acadêmico sobre o personagem SPAWN, criação máxima de Todd McFarlane pela Image Comics em 1992.
Hoje a doutora se estabeleceu em Portugal, onde possui sua clínica de psicologia e está desenvolvendo um projeto ambiental desde o começo do ano com outros profissionais da área. Em 2015 ela “atualizou o livro” através de um artigo em inglês para assim alcançar e inspirar outros públicos, não apenas o brasileiro, e em 2017 achamos um outro artigo em inglês baseado nos frutos do livro.
Cristina Xavier é formada em Propaganda pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (1987), com graduação em Psicologia pela Universidade Paulista (1997), fez o mestrado em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) e possui especialização em Psicologia Junguiana pelo Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos.
O livro
O livro foi lançado em 2004 pela Editora Difusão com o nome “Spawn: O Soldado do Inferno – Mito e Religiosidade nos Quadrinhos”, após o resultado de sua pesquisa para o programa de mestrado em Ciências da Religião da PUC-SP, foi feito a partir da sua tese de conclusão de curso (TCC) de 2003.
Este livro, que foi lançado na 18ª Bienal Internacional do Livro daquele ano (leia aqui uma resenha da época, escrita pelo site Universo HQ), possui um estudo muito aprofundado em temas como mitos, religiosidades, arquétipos, simbologias profanas e sagradas, o tema do bode expiatório e a linha psíquica analítica desenvolvida por Carl Gustav Jung. Há também outros autores pós-junguianos comparando suas proposições com as ideias daqueles estudiosos que se debruçaram sobre a questão do mito no mundo moderno, como Mircea Eliade, Junito Brandão e, principalmente, Joseph Campbell.
Na época do lançamento houve uma segunda reimpressão logo após o lançamento para a correção de algumas informações que causaram até uma certa polêmica, como foi o caso de ter sido informado que o personagem Spawn (mais precisamente falando da sua contraparte humana, Al Simmons) foi o “primeiro herói negro dos quadrinhos”. Porém, o que poucos não sabem – e isto é respondido e explicado a fundo em nossa entrevista –, foi que a ideia original era indicar que o personagem Spawn foi o “primeiro super herói negro dos quadrinhos independentes”. O site UHQ noticiou a noite de autógrafos do livro “Spawn – O Soldado do Inferno: Mito e Religiosidade nos Quadrinhos” e também informou que havia um site onde servia como uma espécie de ponto de discussão entre os fãs e a escritora (www.spawn.art.br, hoje desativado).
A entrevista está disponível em vídeo e vocês podem conferir abaixo, porém também temos uma versão escrita, com respostas redigidas pela própria doutora com exclusividade para nós! E só uma observação: alguns detalhes desta versão escrita não foram citadas na entrevista em vídeo e vice-versa, então é um material que vai complementar um ao outro.
Para quem quiser continuar neste assunto sobre livros acadêmicos e materiais de estudos sobre super-heróis recomendamos escutar o podcast Confins do Universo #113, do Universo HQ (com Sidney Gusman, Samir Naliato, Marcelo Naranjo, Sérgio Codespoti, Sonia M. Bibe Luyten e Rodrigo Scama), onde eles citam a obra da Dra. Cristina Xavier e muitas outras.
A entrevista
1) Fale-nos um pouco sobre a senhora e sobre seu campo de atuação.
Sou psicóloga com especialização em psicologia junguiana e mestrado em Ciências da Religião. Hoje, trabalho como psicóloga clínica, coordeno atividades numa clinica que montei recentemente em Cascais, Lisboa, e desenvolvo também um projeto de longo prazo na área de preservação do meio ambiente junto a uma equipe de especialistas portugueses na área ambiental.
2) Do que se trata especificamente a Ciência da Religião?
As Ciências da Religião se propõem a estudar as religiões, mitologias, fenômenos religiosos, espirituais e místicos através das ciências humanas, como a psicologia, a sociologia, a antropologia e a filosofia.
3) A senhora teve reconhecimento internacional? Chegou a fazer palestras em outros países?
Sim, fiz uma palestra em Roma, em um Congresso Internacional de Psicologia Junguiana, e um artigo, que inspirou esta palestra, publicado pela revista eletrônica junguiana da Aras Connections – The Archive for Research in Archetypal Symbolism (2015) (PDF disponível para download aqui). Esse mesmo artigo foi publicado em um livro, produzido a partir do congresso.
4) A senhora ficou conhecida entre os leitores de quadrinhos com a publicação do livro “Spawn: Mito e Religiosidade nos Quadrinhos”. Conte para aqueles que não leram do que se trata o livro.
O livro é um estudo sobre as raízes arquetípicas, míticas, histórico-religiosas e as principais influências literárias que inspiraram Todd MacFarlane para criar Spawn. Através desse estudo, comparado e multifacetado, procuro demonstrar a riqueza cultural e psicológica que se oculta por trás de um herói dos quadrinhos e também porque e como ele exerce fascínio e impacto tão grande sobre os jovens.
5) Sabemos que o livro começou como um trabalho de conclusão de curso. Como aconteceu a seleção de Spawn como o tema principal para o estudo?
Costumo dizer que não escolhi Spawn; fui escolhida. Posso dizer que foi mesmo uma série de sincronicidades (coincidências significativas) que me levaram ao encontro de Spawn. Relato um pouco dessa história no início do livro, mas como o livro não é uma autobiografia, e sim uma dissertação de mestrado, não cabia ali, obviamente, entrar em detalhes pessoais. No entanto, acho que esta entrevista é um bom momento para compartilhar e revelar essa experiência, pois ele mostra paralelos com a proposta do livro, assim como o próprio personagem Spawn no seu sentido simbólico e mítico.
Tudo começou quando tive que escolher o tema para minha monografia para uma especialização que fazia em 1998 em psicologia junguiana. Fui aconselhada a escolher um tema que fosse apaixonante e intrigante pra mim. O tema escolhido foi um estudo sobre o fenômeno social do bode-expiatório. O problema é que esse objeto de estudo é muito amplo e precisava achar algo mais específico associado ao tema central do bode-expiatório. Nesse período, eu ia ao cinema – outra grande paixão que tenho – com muita frequência. Então, pensei em talvez fazer uma interpretação junguiana de algum filme.
Foi então que assisti “O Advogado do Diabo” (The Devil’s Advocate), com Al Pacino e Keanu Reeves. Pensei que poderia ser um bom candidato para uma análise junguiana e já tinha algo em comum com o tema do Bode Expiatório. Essa foi a primeira sincronicidade, ou sinal, pois já tinha iniciado a leitura de um livro fundamental para minha pesquisa: O Complexo do Bode Expiatório, escrito pela junguiana Silvia Pereira. Foi através desse livro que compreendi a conexão da imagem histórica do diabo com o bode expiatório.
O termo bode expiatório tem origem em rituais judaicos mais primitivos, onde um bode era sacrificado para aplacar as forças do mal e limpar os pecados da comunidade. Este simbolismo do sacrifício animal para purificar a comunidade de seus próprios males foi também explorado com maior profundidade pelo pensador e antropólogo francês René Girard, o qual foi um pilar importante para mim na continuidade de minha pesquisa sobre Spawn no mestrado.
6) Como foi o seu primeiro contato com Spawn e o que sentiu ao ver um personagem tão incomum em relação aos populares como Homem-Aranha e Super-Homem?
Fiquei impressionada com a densidade dramática, a crueldade e a violência das imagens gráficas e da narrativa. Não imaginava que um herói tão pesado, angustiado e depressivo, pudesse ser apreciado já por adolescentes com 11 ou 12 anos de idade!
7) Após começar a ler sobre o personagem, o que mais lhe chamou a atenção?
A primeira coisa que saltou aos meus olhos foi a estética da revista, a qualidade das cores e da impressão gráfica. Assim como o aspecto criativo da diagramação, dos cortes, dos ângulos e a inovação no sequenciamento de imagens. Como só conhecia até então super-heróis em formato mais tradicional, para mim esses eram aspectos inovadores. No nível do conteúdo, percebi de imediato a relação do tema central de Spawn com meu objeto de estudo, o bode-expiatório, assim como sua relação com a Divina Comédia, a qual eu também vinha estudando paralelamente. Vi semelhança ainda, como comentei anteriormente, com o filme Advogado do Diabo.
8) A doutora já era leitora de quadrinhos antes de começar o seu projeto para o livro?
Desde minha infância e adolescência eu já não tinha mais hábito de ler revistas em quadrinhos, mas, como grande parte de minha geração, gostava muito de ler alguns gêneros e títulos, principalmente os quadrinhos da turma da Mônica, Mafalda, Charlie Brown e de vários super-heróis de modo mais genérico (Superman, Homem-Aranha, Fantasma, Batman). Mas na verdade, nunca fui uma grande aficionada do gênero, pois gostava também de outras atividades artísticas: cinema, dança música e canto. Por isso, até hoje, fico ainda por vezes intrigada em como acabei fazendo um estudo tão aprofundado e prolongado sobre um único herói dos quadrinhos!
9) Como foi a aquisição do material de pesquisa para o seu trabalho? Teve algum fã do personagem que a auxiliou?
Sim. Na época, eu pensava em incorporar na metodologia da pesquisa de mestrado uma amostra de entrevistas com leitores jovens de Spawn. Cheguei a formular um questionário e ir a algumas escolas para um teste inicial de amostragem. Tive um retorno muito interessante nessas primeiras entrevistas mais informais. No entanto, o questionário infelizmente não foi aprovado pelo orientador, pois poderia esbarrar em questões éticas e religiosas delicadas. Na verdade, a pesquisa de campo iria questionar vários tabus ainda presentes e muito arraigados em nossos círculos socioculturais.
Além disso, depois que apresentei a dissertação e lancei a primeira edição do livro, tive a contribuição valiosa do professor Waldomiro Vergueiro, da Escola de Comunicação e Artes (ECA/USP), quem me apontou tanto méritos do estudo como algumas de suas falhas. O diretor da revista de Spawn, na época publicado pela Editora Abril (Sérgio Figueiredo), também nos ajudou no processo de publicação do livro. Ele tentou conseguir um contato direto com McFarlane, mas também não foi bem-sucedido. Entretanto, foi através dos esforços dele que conseguimos os direitos autorais para publicar o livro, assim como usar algumas imagens de algumas das capas de Spawn. Ele também criticou o formato acadêmico do livro.
Na época, pensei em seguir seu conselho para modificar a linguagem e fazer algo mais popular e acessível, porém tive receio de que isso prejudicasse a imagem de um estudo sério, pois queria também atrair o interesse do meio acadêmico.
10) Conte-nos um pouco sobre como foi relacionar Spawn com história antiga, psicologia, antropologia e ciência da religião. Houve muito material a ser pesquisado?
Houve um momento em que pensei até em desistir da dissertação de tanto material tanto psicológico, sociológico, antropológico e mítico-religioso que percebi estar relacionado com os conteúdos das narrativas de Spawn! Tive que fazer uma seleção e diminuir o foco da pesquisa, mas ainda assim havia muita coisa para aprofundar e pesquisar. Principalmente no nível da história das religiões e mitologias. O potencial é praticamente infinito, pois Spawn se relaciona tanto com nossas origens mais arcaicas com também com o nosso presente. Além disso, devido a seu caráter simbólico e arquetípico, ele também indica tendências futuras no âmbito espiritual, social, político e no âmbito dos vários desafios ambientais que já estamos começando a enfrentar.
11) Um dos autores que foi inspiração para o seu trabalho foi Joseph Campbell, famoso pela obra “O Herói de Mil Faces”. A senhora acha que Spawn se encaixa nas 12 etapas citadas por Campbell?
Sim, definitivamente! Spawn e talvez todos os heróis em quadrinhos, assim como provavelmente a grande maioria das narrativas heróicas na literatura, no cinema, nos mitos e nas religiões, têm estruturas arquetípicas e psicológicas que seguem essas etapas. Elas são inevitáveis, pois pertencem a estrutura da psique humana, fazem parte intrínseca do desenvolvimento da consciência do indivíduo inserido em um contexto e em uma dinâmica social. No entanto, como ressaltado no livro, essas etapas não devem ser vistas como algo rígido e ocorrendo de modo linear. Isto porque alguns desses estágios vão depender do desenrolar da narrativa, das escolhas feitas pelo herói em sua trajetória, das condições técnicas da mídia em questão (TV, HQ, novela gráfica, cinema, série, literatura) e de algumas contingências macro socioculturais também.
12) Como foi a reação da banca ao apresentar sua tese de mestrado sobre um personagem de história em quadrinhos?
A reação de modo geral foi positiva. Fiquei surpresa com o resultado, tive aprovação total com uma nota máxima. Uma das professoras da banca identificou em Spawn as sombras do histórico racismo que pesa sobre os americanos negros. Assim como no Brasil, há uma carga histórica de sofrimento enorme devido ao preconceito racial. A imagem de Spawn e de suas origens corroboram a existência de um complexo cultural na sociedade americana relacionada a esse passado obscuro e violento, mas que ainda hoje se manifesta em movimentos sociais, com explosões de raiva e de enfrentamento.
Por outro lado, quando da ocasião de publicação de meu livro, nenhum de meus professores aceitaram o convite para escrever nem a resenha, a orelha do livro ou o prefácio! Parece-me que Spawn assustou a todos Não é? 😉
13) Como surgiu a ideia de transformar o TCC em um livro?
Sempre tive vontade de publicar um livro, e, no meio acadêmico, é importante produzir conhecimento e publicá-lo, seja em formato de livro ou de artigos científicos, participar de conferências etc. Isso também conta pontos para a universidade ou o departamento de pesquisa onde foi feito o estudo. Então, depois que consegui a aprovação da dissertação pelo meu orientador, outros professores que conheciam o trabalho me incentivaram a fazê-lo. Na época, era mais ingênua e achei que o trabalho estava maduro o suficiente para ser publicado, mas alguns nãos depois percebi que o livro deveria ter sido a base e inspiração para outro tipo de livro, com outro tipo de abordagem.
14) E quanto ao criador Todd McFarlane, houve algum contato? Ele sabe da existência do livro?
Sim, ele sabe, pois para a publicação de meu livro em 2003, assim como para o artigo que escrevi em inglês em 2015, precisamos de autorizações dele devido a regras de direitos autorais. Tentei também conseguir uma entrevista, mas infelizmente nunca tive qualquer retorno mais personalizado. Por outro lado, consegui todas as autorizações que precisava, com exceção de conteúdos de imagens dentro da revista. Essas foram as mais difíceis. Só consegui algumas escolhidas a dedo para o artigo de 2015 (baixe agora mesmo o artigo completo em PDF aqui).
15) Como foi a receptividade do livro? Houve alguma crítica?
A receptividade na época foi limitada e controversa. Algumas respostas foram positivas no que tange a profundidade da abordagem.
16) Uma curiosidade que descobrimos é que o livro passou por uma revisão em menos de um ano após a primeira versão. Na versão original é citado que Spawn foi o primeiro herói negro dos quadrinhos, porém esta informação foi corrigida na revisão. Como foi este processo de reimpressão?
A primeira versão saiu com várias falhas de revisão devido a problemas com a editora. Então, foi nesse período crítico, que o professor Waldomiro fez sua resenha sobre meu livro, e eu descobri que tinha cometido esse erro, sobre Spawn ser o primeiro herói negro dos quadrinhos. Logo, tivemos a oportunidade de corrigir isto. Comentário: Assista nossa entrevista para entender melhor este ponto controverso do livro.
17) Atualmente o livro encontra-se esgotado nas lojas enquanto o interesse em Spawn voltou a crescer, principalmente pelo fato de a revista ter saído no Guinness Book como a HQ independente mais longa de todos os tempos. Haveria um interesse em relançar o livro para aproveitar este momento?
Sim, tenho interesse em relançar o livro, mas seria necessário fazer várias atualizações e alterações, tanto de conteúdo como de formato.
18) Hoje a senhora mora em Portugal. Os portugueses já tiveram a oportunidade de ler o seu livro? O personagem é conhecido por aí?
Como estive super ocupada nos últimos meses com vários projetos, pedi a minha assistente, Carla Mendonça, para fazer uma pesquisa a este respeito. Ele descobriu informações muito interessantes sobre Spawn! Veja só:
- A revista número 1 do Spawn chegou em Portugal em 1997, como propriedade da Abril Control/Jornal.
- O arte-finalista português Daniel Henriques, que trabalhava para a DC Comics e já havia trabalhado para a Marvel, deu uma entrevista em 2014 ao Jornal Público, um dos jornais mais respeitados de Portugal. Daniel contou que Spawn era o quadrinho favorito dele quando criança, mesmo que tenha tido pouca circulação no país, e que é o drive da carreira dele. Ele ganhou um exemplar de um amigo que havia trazido pra ele do Canadá e ficou impactado pelas novidades e a violência do Spawn.
- A HBO Portugal oferece atualmente as temporadas 1, 2 e 3 da série.
- Em pesquisa feita no final de setembro, ela encontrou três grupos de bandas desenhadas no Facebook, todos com posts sobre o Spawn. Havia também 31 vendedores de revistas e outros produtos do Spawn na plataforma da OLX portuguesa. Vejam que Portugal é um país de cerca de 10 milhões de habitantes apenas.
- Outra curiosidade é que, em Lisboa, há um bar chamado Spawn Point – Gaming Lounge, que é um conhecido espaço dedicado aos gamers na cidade.
19) Há algum outro projeto em andamento que possa comentar e que queira divulgar? Destes projetos há algum envolvendo histórias em quadrinhos?
Até o início deste ano, eu estava envolvida com uma pesquisa de doutorado para o Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa. O projeto foi aprovado pela banca examinadora. No entanto, infelizmente, tive que interrompê-lo por várias razões pessoais que incluíram, entre elas, a situação da pandemia. A pandemia reforçou um alerta e um chamado pessoal de que, neste momento de minha vida, seria mais importante resgatar antigos projetos na gaveta relacionados a proteção do meio ambiente.
Venho acompanhando essa questão já algumas décadas e, nos últimos anos, com o agravamento dos problemas relacionados direta ou indiretamente ao aquecimento global e destruição de florestas e ecossistemas, comecei em paralelo a fazer algum ativismo ambiental.
Com a explosão da pandemia, percebi que esse chamado para cuidar do ambiente era muito mais premente do que continuar minha pesquisa sobre a linguagem dos comics. Pretendo um dia retomá-la, mas no momento apropriado.
Meu objetivo inicial era de fazer um diálogo interdisciplinar, não mais de um único gênero de quadrinhos, mas do meio em si, de seus códigos e linguagens textuais e visuais específicos, sob a perspectiva da semiótica da cultura e também da psicologia junguiana.
Além do meu interesse em dedicar-me a questão ambiental, encontrei também algumas dificuldades no meio acadêmico para levar adiante o projeto. Por um lado, tive especialistas em ambas as disciplinas que analisaram minha proposta e acharam-na interessante e inovadora. No entanto, isso foi fora da esfera universitária!
Dentro da universidade, a situação é bem diferente. Vi muito preconceito com temas que desafiam as fronteiras disciplinares e que possam confrontar o mainstream. Esses são temas considerados obscuros, inconscientes ou místicos. São considerados como um tipo de conhecimento que podem ameaçar certas estruturas e categorias de conhecimento. Spawn e Jung assustam a academia!
Em minha opinião, deveriam dar mais espaço e oportunidade para pesquisas que quebram tabus e permitam avançar sobre as barreiras epistemológicas, desde que seguindo o rigor científico de pesquisa.
20) Existem muitas pessoas que criticam Spawn pois acham que ele é um personagem sem profundidade, porém a senhora mostrou que ele possui conteúdo para servir como objeto de estudo em temas bem complexos como história da religião, literatura, psicologia etc. O que poderia dizer sobre estes críticas?
Parece-me que as críticas vem do fato de Spawn fazer utilização e apropriar-se de certos conhecimentos tanto históricos como míticos e religiosos de modo mais livre e criativo, muitas vezes, também bastante crítico e espontâneo.
Além disso, somente nas últimas duas décadas, os comics passaram a gozar de algum reconhecimento por parte de pesquisadores e intelectuais sérios. Os quadrinhos, especialmente o gênero de super-heróis, sempre foram considerados uma arte inferior às demais, e também um meio de comunicação de massa.
Com o crescimento do meio e sua crescente popularidade, invadindo de uma vez por todas as telas do cinema, essa percepção está se modificando. Entretanto, podemos ver, pelos exemplos que citei em minha entrevista, que ainda há resistência acadêmica para considerar todas as formas e gêneros de quadrinhos como uma forma de arte, de fonte e objeto de conhecimento, e também como contendo um profundo simbolismo psicológico que necessita ser explorado, analisado e evidenciado.
Deixe uma mensagem final para todos os fãs brasileiros de Spawn:
Se você é fã de Spawn e porque ele tocou em algo muito profundo em sua alma. Os mitos têm esse poder e essa magia: conectam-nos com nossas estruturas mais profundas e nos ajudarem a encontrar o nosso verdadeiro eu e nosso propósito nesta vida.
Os super-heróis dos quadrinhos tem essa função simbólica e psicológica em nossa sociedade contemporânea: eles são uma forma de rito iniciatório ou rito de passagem para as transformações (morte/renascimento) de personalidade que tanto os leitores jovens como os adultos precisam sofrer para sua maturação e desenvolvimento como indivíduos e como seres humanos.
Spawn é, sem dúvida, um dos mais profundos e ricos heróis da atualidade, em termos simbólicos e míticos, pois ele sintetiza e condensa diversos conteúdos que também encontramos em outros super-heróis e anti-heróis.
E aí, soldado(a) do oitavo círculo. Se chegou até aqui lendo tudo isso e ainda não assistiu a entrevista, então reserve um tempo e assista-a pois existem perguntas lá que não foram feitas aqui. Dependendo do feedback de vocês, podemos pensar em trazer de novo a Dra. Cristina Xavier para responder mais outras questões, talvez entrar mais afundo em outros temas… Quem sabe fazemos uma PARTE 2? Deixe nos comentários (lá no vídeo do YouTube) suas perguntas/dúvidas/sugestões que iremos levar diretamente até ela.
Ainda temos que perguntar à ela do que se trata este disco de música (playlist completa), gravado por ela em 2010, chamado “Alinhavando Tempos [Circuito Musical]”? Sim, é isso mesmo, não é brincadeira! São belíssimas músicas, muito bem cantadas e tocadas, no estilo bossa nova, rhythm & blues, com versões de outras músicas famosas… Escute você mesmo e tire suas próprias conclusões.
Até mais, soldados do oitavo círculo!
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